quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

SEBASTIÃO MAGALHÃES LIMA. UMA REFERÊNCIA




[Magalhães Lima, Sebastião] "Muitas vezes me sinto estranho na actual sociedade, tão diversa da minha. Ante o impudor e o cinismo que lavram, sinto-me feliz por ter conservado as qualidades de honradez e de nobreza moral que herdei de meu Pai. O que se passa em redor de mim compunge-me. A política, que tive sempre por um apostolado, tornou-se negócio. E, como dizia o grande Junqueiro:

«Isto de consciência e de coração tranquilos são coisas para fazer estilo, metáforas e mais nada …»

Já é tarde para mudar."
Magalhães Lima, Episódios da minha Vida (Memórias), (volume I), Perspectivas & Realidades, Lisboa, s/d.  

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

... "a linguagem e a mentira das coisas"



«[ …] Que doces coisas são os sons e as palavras! Não serão os sons e as palavras os arcos-íris e as pontes ilusórias que estabelecem a ligação entre o que está eternamente separado?

Todas as almas têm um mundo seu; para cada uma delas, a alma de outrem é um mundo transcendente.

É entre aqueles que estão mais próximos que a ilusão faz cintilar as suas miragens mais belas; porque o abismo mais estreito é o mais difícil de transpor.

Como poderia haver para mim um não-eu? Não há mundo exterior. Não foram os nomes e os sons dados aos homens para terem prazer nas coisas? A linguagem é uma doce loucura; falando, o homem evade-se e dança para lá das coisas.

Como são doces, a linguagem e as mentiras das coisas! O nosso amor dança com os sons em arco-íris matizados.»
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in Nietzsche, Assim Falava Zaratrusta, [O convalescente], Guimarães Editores, Lisboa, 2007  

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

VAMPIROS (ZECA AFONSO) 'Eles comem tudo ...'




No céu cinzento 
Sob o astro mudo 
Batendo as asas 
Pela noite calada
Vem em bandos
Com pés veludo 
Chupar o sangue 
Fresco da manada 

Se alguém se engana
Com seu ar sisudo 
E lhes franqueia 
As portas à chegada 
Eles comem tudo 
Eles comem tudo 
Eles comem tudo 
E não deixam nada 
A toda a parte 
Chegam os vampiros 
Poisam nos prédios 
Poisam nas calçadas 
Trazem no ventre 
Despojos antigos 
Mas nada os prende 
Às vidas acabadas 

São os mordomos
Do universo todo 
Senhores à força 
Mandadores sem lei 
Enchem as tulhas 
Bebem vinho novo
Dançam a ronda
No pinhal do rei

Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
No chão do medo
Tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos
Na noite abafada
Jazem nos fossos
Vítimas dum credo
E não se esgota
O sangue da manada

Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia 
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada

Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada

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Créditos da imagem para BLOGUETRIFORMIS 

Bat. Caç.596/63. um até breve ...



quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

LER - Medidas que vêm de longe ...


IV

«Criem-se, nos mesmos logares, escolas de adultos, em que os homens de trabalho, que desejem aprender a lêr, escrever e contar, venham á noite receber licções gratuitas de qualquer pessoa zelosa do bem publico, que dessa tarefa se queira encarregar por seu turno.
Para completar esta util idéa, criem-se tambem gabinetes de leitura, em que aquelles, que souberem lêr, possam nas compridas noites do inverno dar pasto á sua curiosidade. Estas pequenas bibliotecas populares devem conter um certo numero de publicações periodicas, semanaes ou annuaaes, e outras obras de pequeno custo fornecidas pelo EStdo: tudo escriptos de util e variada licção - que fallem ao espirito, ao coração e aos olhos.»
...
NOGUEIRA, José Félix Henriques (1823 - 1858)
Estudos sobre a  a reforma em Portugal - Lisboa. Typ. Social, 1851; 2 v. pg. 173/174.
(grafo da época)

90



terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Lengalenga . (contagem pelos dedos)




Una
Duna, 
Tena, 
Catena, 
Forreca, 
Chirreca, 
Vira, 
Virão, 
Conta bem, 
Que dez são.
...
(há mais variantes).


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

António José Forte "... escreveu pouco .."




António José Forte (1)   (1931-1988) poeta surrealista, “…escreveu pouco, talvez apenas o necessário para deixar vincada a sua presença e ter a certeza de haver «gente que nunca escreveu uma linha que fez mais pela palavra que toda uma geração de escritores»”, (2)  
“Os poetas, os reformistas, os reaccionários, os progressistas arregalarão os olhos e em seguida hão-de fechá-los de vergonha. Fechá-los como têm feito sempre, afinal, em seguida mergulharem nas profecias. Olharem para a parte inferior da própria cintura e em seguida fecharem os olhos de vergonha. Abandonarem-se desenfreadamente à carpintaria das suas tábuas de valores, brandirem-se por cima das nossas cabeças como padrões para a vida, para a arte, para o amor e em seguida fecharem os olhos de vergonha às manifestações mais cruéis da vida, da arte do amor".(3) 

___________________
(3) in Forte, António José. Corpo de Ninguém.  Hiena. Lisboa.1989...[Uma Faca nos Dentes. p. 39] 

Nota: Um bem-haja  pela colaboração recebida. 

sábado, 18 de dezembro de 2010

BOAS FESTAS 2010/2011

Não nos iludamos. Ou nos salvamos nós, ou ninguém nos salva.
...
O messianismo em Portugal fez as suas provas e faliu.

(in Manuel Laranjeira, 
O Pessimismo Nacional ou de como os portugueses procuram soluções de esperança em tempos de crise social, 
Padrões Culturais Editora, Lisboa, 2008) 


(amplia, clicando sobre a imagem)


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

«O SENHOR ACONTECE» 18.04.1944 – 15.12.2010



Carlos Nuno de Abreu Pinto Coelho 
18.04.1944 – 15.12.2010 
“E assim, ACONTECE” 

Evoca-se o jornal cultural ‘Acontece’ (1994 – 2003) da RTP2, lamentavelmente extinto em ambiente polémico.

Entre condecorações e prémios distingue-se a atribuída pela França: Oficial da “Orde des Arts et des Lettres (2009)”.


*

"Anexo (1)
Missiva do funcionário do SBI-FCG António José Forte à respectiva direcção sobre incidentes em Parada do Bouro (27-12-1960)
Fonte: Francisco, 1966. (Nb: transcrição da publicação original no Boletim do Sindicato dos Encarregados e Ajudantes de Bibliotecas de Portugal – Fevereiro 1991.)

Ex.mos Senhores:
Um bem triste e lamentável episódio interrompeu ontem, dia 27, a marcha feliz e entusiástica que esta Biblioteca iniciou há pouco por terras do Baixo Minho. Foi o caso de um abade que se nos atravessou no caminho, não para suicidar-se. O que seria altamente honroso para ele, mas para apressar o suicídio dos seus submissos paroquianos, boa gente, diga-se de passagem, mas cegos como todos os suicidas involuntários.
«Estávamos nós estacionados em Parada de Baixo, terra célebre nestas redondezas pelas suas laranjas e outras frutas, quando o pároco da freguesia, zeloso da salvação das suas ovelhas, decidiu intervir. A intervenção foi ridícula e teatral por um lado e pelo outro infame e de franca má fé.
«Acusando-nos de estarmos a distribuir livros protestantes, ameaçou os paroquianos de excomunhão ipso facto (foram palavras textuais do padre) caso ousassem levar um único exemplar que fosse. E não contente com essa ameaça arrancou das mãos de alguns leitores as obras já requisitadas e atirou-as ao chão que, por sinal, estava um pouco enlameado. Em seguida, e para intimidar-nos, exigiu que nos identificássemos, o que recusámos gostosamente. Depois explicámos às pessoas, não ao padre, que aquela Biblioteca se tratava de uma instituição legal, e que pertencia à consciência de cada um escolher entre levar livros e devolvê-los. Graças ao Diabo houve uma minoria que se manteve firme, não abdicando da vontade própria, mas aos que estavam no que julgam ser a graça de Deus principiaram a devolver os livros, e da maneira mais correcta possível, quer atirando-os ao chão quer lançando-os para dentro do furgão. Claro que pelo padre estava a maioria das mulheres que se não poupavam a insultos e ameaças, o que, consequentemente, provocou uma atitude hostil por parte de alguns homens, os quais, homens, ocasionalmente é verdade, pois regressavam do trabalho, traziam ao ombro uma sachola de cabo bastante comprido. De modo que resolvemos retirar-nos.
A nossa próxima visita a Parada do Bouro está marcada para 27 de Janeiro [1961] e é nossa firme intenção lá voltar. Mas não podemos ir desprevenidos e por isso desejamos que nos autorizem a fazê-lo acompanhados pela Guarda Republicana, ou que nos enviem armas. Desnecessário se torna, naturalmente, sugerir que tentem proceder contra o padre (de sua graça Isac).
Por nós, participaremos hoje ou amanhã ao Presidente da Câmara de Vieira do Minho o ocorrido.
Aqui a indignação é, pode dizer-se, geral. Os correspondentes dos jornais Jornal de Notícias e Primeiro de Janeiro já enviaram notícias de protesto. Nós prosseguiremos.
Atentamente.
Vieira, 28 de Dezembro de 1960.

António José Forte"

*
“E assim, ACONTECE.
Até amanhã!” (Carlos Pinto Coelho)
___________
Créditos da imagem para http://peticao-rtp2-cinema.blogspot.com/2010/12/carlos-pinto-coelho.html


(1) in Melo, Daniel de, A Leitura Pública no Portugal Contemporâneo (1926-1987), Lisboa ICS (Imprensa de Ciências Sociais, 2004, pp.355-356.
- um agradecimento a drmpd.

sábado, 11 de dezembro de 2010

... muito provavelmente Porque era sábado (Vinicius de Moraes - o dia da criação)


Foto: Marcos Renkert


O dia da criação, Vinicius de Moraes
(…)

Há a perspectiva do domingo 
Porque hoje é sábado 
 


III 
 

Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, 
ó Sexto Dia da Criação. 
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas 
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra 
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra 
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado. 
Na verdade, o homem não era necessário 
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como 
as plantas, imovelmente e nunca saciada 
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão. 
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias 
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa 
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos 
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas 
em queda invisível na 
terra. 
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes 
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia 
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo 
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda 
e missa de 
sétimo dia. 
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das 
águas em núpcias 
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio 
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em [cópula. 
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos 
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas 
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade 
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e [sim no Sétimo 
E para não ficar com as vastas mãos abanando 
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança 
Possivelmente, isto é, muito provavelmente 
Porque era sábado.

Vinicius de Moraes, O dia da criação (excerto), Jornal de Poesia aqui

domingo, 5 de dezembro de 2010

"Os nossos dias fogem ..."


Os nossos dias fogem tão rápidos como água do rio
ou vento do deserto.
Entretanto, dois dias me deixam indiferente:
o que passou ontem e o que virá amanhã.
Omar Khayyam, (versão Fernando Couto),
 Joaquim Pessoa (organizou), Herdeiros do Vento, Antologia Apócrifa, Litexa, 1984

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

RENOIR AMAVA O HOMEM, A LUZ E A NATUREZA INFINITA(1)



Ao Piano, de Renoir (fragmento) Quadro comprado pelo Governo Francês.


«Tanto na arte como na natureza, aquilo que tomámos como inovação é, no fundo, uma continuação mais ou menos modificada do antigo», Renoir. (1)
______________
(1) in Peter H. Feist, Pierre-Auguste Renoir, (1841 - 1919) 'Um Sonho de Harmonia, Taschen Público (nº 8), 2003 

3 de Dezembro - DIA INTERNACIONAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA



“O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência assinala-se hoje, quando a maioria destes cidadãos continua excluída do exercício de direitos e é discriminada no acesso em condições de igualdade ao ensino, emprego, habitação e transportes.”

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

FERNANDO PESSOA , Pois v. não vê que ...








Fernando Pessoa 
13 junho 1888 – 30 novembro 1935

(…)


Pois v. não vê que para esta gente o perceber v. precisa escrever como o Dantas, como o  Alfredo Cunha, como  ...

Pois v. não vê que para esta gente o apreciar v. precisa ou fazer conferências ou plagiar como o J. de B., asnear na capital como o Manso  que veio de Coimbra.

Pois v. não vê que para esta gente o elogiar v. tem de andar a bajulá-los na rua e nos cafés, como fazem os Dantas, os Cunhas, os Sousa Pintos?
Depois – pior ainda – v. escreve europeiamente!

 (…)

_________________________________
(…) Fernando Pessoa, Correspondência (1905 – 1922), Fragmento da carta nº 39 dirigida a Mário de Sá Carneiro´, edição Maria Parreira Serra, Assírio & Alvim, 1999.