Carlos Nuno de Abreu Pinto Coelho
18.04.1944 – 15.12.2010
“E assim, ACONTECE”
Evoca-se o jornal cultural ‘Acontece’ (1994 – 2003) da RTP2, lamentavelmente extinto em ambiente polémico.
Entre condecorações e prémios distingue-se a atribuída pela França: Oficial da “Orde des Arts et des Lettres (2009)”.
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"Anexo (1)
Missiva do funcionário do SBI-FCG António José Forte à
respectiva direcção sobre incidentes em Parada do Bouro (27-12-1960)
Fonte: Francisco, 1966. (Nb: transcrição da publicação
original no Boletim do Sindicato dos Encarregados e Ajudantes de
Bibliotecas de Portugal – Fevereiro 1991.)
Ex.mos Senhores:
Um bem triste e lamentável episódio interrompeu ontem,
dia 27, a marcha feliz e entusiástica que esta Biblioteca iniciou há pouco por
terras do Baixo Minho. Foi o caso de um abade que se nos atravessou no caminho,
não para suicidar-se. O que seria altamente honroso para ele, mas para apressar
o suicídio dos seus submissos paroquianos, boa gente, diga-se de passagem, mas
cegos como todos os suicidas involuntários.
«Estávamos nós estacionados em Parada de Baixo, terra
célebre nestas redondezas pelas suas laranjas e outras frutas, quando o pároco
da freguesia, zeloso da salvação das suas ovelhas, decidiu intervir. A
intervenção foi ridícula e teatral por um lado e pelo outro infame e de franca
má fé.
«Acusando-nos de estarmos a distribuir livros
protestantes, ameaçou os paroquianos de excomunhão ipso facto (foram palavras textuais do padre) caso ousassem levar
um único exemplar que fosse. E não contente com essa ameaça arrancou das mãos
de alguns leitores as obras já requisitadas e atirou-as ao chão que, por sinal,
estava um pouco enlameado. Em seguida, e para intimidar-nos, exigiu que nos
identificássemos, o que recusámos gostosamente. Depois explicámos às pessoas,
não ao padre, que aquela Biblioteca se tratava de uma instituição legal, e que
pertencia à consciência de cada um escolher entre levar livros e devolvê-los.
Graças ao Diabo houve uma minoria que se manteve firme, não abdicando da vontade
própria, mas aos que estavam no que julgam ser a graça de Deus principiaram a
devolver os livros, e da maneira mais correcta possível, quer atirando-os ao
chão quer lançando-os para dentro do furgão. Claro que pelo padre estava a
maioria das mulheres que se não poupavam a insultos e ameaças, o que,
consequentemente, provocou uma atitude hostil por parte de alguns homens, os
quais, homens, ocasionalmente é verdade, pois regressavam do trabalho, traziam
ao ombro uma sachola de cabo bastante comprido. De modo que resolvemos retirar-nos.
A nossa próxima visita a Parada do Bouro está marcada
para 27 de Janeiro [1961] e é nossa firme intenção lá voltar. Mas não podemos
ir desprevenidos e por isso desejamos que nos autorizem a fazê-lo acompanhados
pela Guarda Republicana, ou que nos enviem armas. Desnecessário se torna,
naturalmente, sugerir que tentem proceder contra o padre (de sua graça Isac).
Por nós, participaremos hoje ou amanhã ao Presidente da
Câmara de Vieira do Minho o ocorrido.
Aqui a indignação é, pode dizer-se, geral. Os
correspondentes dos jornais Jornal de Notícias e Primeiro de Janeiro já
enviaram notícias de protesto. Nós prosseguiremos.
Atentamente.
Vieira, 28 de Dezembro de 1960.
António José
Forte"
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“E assim, ACONTECE.
Até amanhã!” (Carlos Pinto Coelho)
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Créditos da imagem para http://peticao-rtp2-cinema.blogspot.com/2010/12/carlos-pinto-coelho.html
(1) in Melo, Daniel de, A Leitura Pública no Portugal Contemporâneo (1926-1987), Lisboa ICS (Imprensa de Ciências Sociais, 2004, pp.355-356.
- um agradecimento a drmpd.
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